Fiquei com um sentimento confuso
ao terminar a leitura desse livro! Na verdade, penso que o sentimento de
estranheza é justamente o que o autor do livro queria causar em seus leitores.
Ao falar do grande “O Romance d'A Pedra
do Reino e o Príncipe do Sangue do Vai-e-Volta” (que é, simplesmente,
fantástico) Carlos Drummond de Andrade definiu-o como "romance-memorial-poema-folhetim".
Ao falar de “Um piano para Cavalos Altos”, utilizando do mesmo artifício do
poeta, defini-lo-ia como “Romance-Alegórico-Orwelliano-Saramaguense”
se esse termo existisse e se minha opinião de leigo valesse um vintém.
É impossível ler a obra de Sandro
William Junqueira se lembrar desses dois autores! O livro retrata uma cidade
dirigida por um “Partido” totalitário que controla a todos através de um
sistema extremamente organizado baseado, dentre outras coisas, no medo (1984). O estilo com o qual o autor nos
conta a história, me lembrou muito o Saramago, não só por ser um português do
além-mar, mas o fato de o autor não dar nome às suas personagens, à cidade que a
narrativa ocorre, o uso da ironia, de uma série de metáforas ao longo do texto
e os diálogos onde não fica muito claro quem está falando, lembram muito do
autor premiado (confesso que não li outros autores portugueses além desses
dois, mas acho que, após um autor tão poderoso como o Saramago, a literatura de
seu país não passa incólume, tudo que será feito será comparado a ele e muito
do que for feito terá sua influência).
O livro não é dos mais fáceis de
serem lidos. A leitura até ocorre de maneira corrente e fluida, pois as passagens
são bem pequenas, quase como pequenos contos. Em contrapartida, esses pequenos
contos fazem com que a narrativa ocorra de maneira indireta, sendo necessário costurá-los
para que tenhamos a noção do enredo.
Aliás, a forma como o livro foi
construído é um dos maiores acertos do autor. É através do protagonismo que é
dado ao leitor, que tem a obrigação de estar alerta e se questionando
constantemente ao longo do texto (lembrei do grande Detetives Selvagens do Bolaño) que as metáforas ganham mais poder, que
o ambiente da cidade estranha (altamente organizada, cercada por um muro de 8
metros, regida por um governo violento) vai se mostrando e somos envolvidos com
alguns de seus habitantes. No resultado dessa soma, encontramos um livro que
permite diversas interpretações, facetas, leituras e releituras. A obra ainda
requer estomago, pois, as cenas fortes são narradas de forma desapiedada e com
muita crueza.
Não quero falar muito da história
do livro, pois acho que vocês devem descobrir o “Um piano para cavalos altos” de vocês. Direi apenas que encontramos
vários elementos interessantes na obra, como o Diretor (não há, mas se houvesse
um protagonista na história talvez seria este, pois do que o livro mostra,
muito se passa com ele ou pessoas ao seu redor) e sua mulher, a Ruiva, que
amarra seu filho no piano para que ele se torne um grande músico. O Diretor é
responsável por um centro de detenção e interrogatório (tortura) onde o
Mensageiro (uma espécie de vidente e messias da obra) é preso por subversão e
“interrogado”. O mensageiro nos liga à classe operária (que não tem permissão
de sair da zona castanha) e há um início de revolução sendo encabeçado por ele
e seus discípulos. Ainda há o Médico Loiro, o Militar Coxo, a Prostituta Ana, o
Ministro Calvo e outros elementos (quase que alegorias), como a forma como os
mortos são tratados, que nos mostram o absurdo do poder totalitário e
ditatorial. Em algumas passagens algumas das leis do Ministro Calvo, e como ele
as criou, são narradas e fiquei com uma sensação de impotência. Seu sistema é
simples, consiste em simplesmente conjecturar suas ideias absurdas em voz alta
e em instante já estava em vigor.
Ao ler a última página do livro,
fiquei com um sentimento duplo. Gostei bastante da obra, da forma como foi
escrita. Apreciei as metáforas e imagens que o autor utiliza para nos mostrar
alguns dos absurdos que estão no nosso cotidiano/cultura (a vós do narrador em alguns
momentos me lembrou o narrador do documentário “Ilha das Flores”). O enredo não
deixa de ser uma distopia, mas vai muito além disso, o que engrandece a obra. O
livro é excelente. Entretanto, pelo poder que a obra me demonstrou, achei que
ser repentino final ficou um pouco aquém. De qualquer forma, devemos ficar de
olho autor e nos seus próximos lançamentos, pois ele está no caminho certo.
Para Saber Mais:
LIVROS EM ANDAMENTO
- Poesia (Jorge Luis Borges)
- Meu Sistema (Nimzovitsch)
- A Cidade e os Cachorros (Mario Vargas Llosa)
NO FORNO
- Borges e os Orangotangos Eternos (Luís Fernando Veríssimo)
- O Iluminado (Stephen King)
- Correr (Drauzio Varella)
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