segunda-feira, 28 de setembro de 2015

As Benevolentes, de Jonathan Littell

Aos da minha geração, não é uma tarefa muito laboriosa ou exigente imaginar-se na Segunda Guerra Mundial. São tantas referências culturais sobre o tema, principalmente no cinema, que acho muito difícil alguém ter passado incólume ao assunto. Não é para menos, a II GM é o principal acontecimento histórico do século XX, disparado.
No livro “As Benevolentes”, de Jonathan Littell, temos uma nova experiência sobre os fatos e acontecimentos desse período. No livro, enxergamos a guerra sob o ponto de vista Nazista, sob os olhos de um oficial das SS, algo bem diferente das versões Hollywoodianas, onde vemos apenas o lado dos “mocinhos” da guerra.
A primeira vez que me “encontrei” com “As Benevolentes” devia ter uns 18 anos, logo que o livro foi lançado no Brasil. Estava vasculhando estantes de uma livraria que frequentava e vi um dos livros mais espessos da estante. Eu, como um leitor guloso que sou, fiquei interessado e puxei-o para mim. Na época, o olho era maior que a barriga (hoje ainda é), não comprei pelo preço, mas seria mais sensato falar que não comprei por não estar preparado para ele (não sei, já estou?).
Nesse ano, ao garimpar em um sebo perto de casa, tive a grata surpresa de encontrar um exemplar d”As Benevolentes”. Não resisti à pechincha do preço de sebo, comprei e comecei a leitura imediatamente. Aí começou o embate…
Demorei a entrar no livro, demorei muito a entendê-lo e a me situar na história! Acho que foram quase 150 páginas até eu realmente me inserir na história. A escrita era diferente do que eu estava acostumado, a forma narrativa também. Bom que o livro é grande. Mais: Grande!
O livro é grande em vários sentidos: A começar tem 912 páginas, seu alcance e força são notáveis; a pesquisa realizada foi no mínimo imensa, as cenas são extremamente bem construídas e ricas em detalhes, sendo bastante realistas (e devo advertir que são um soco na boca do estômago). A história é narrada em primeira pessoa por Maximilien Aue, ex-oficial da Schutzstaffel (SS), em forma de memórias onde cada capítulo recebe o nome de uma ópera, clara referência do gosto no alto comando nazista à música erudita, à cultura. Aue esteve no fronte na Ucrânia, no Sul da Rússia, em Stalingrado, nos bastidores dos campos de concentração nazi e nos derradeiros momentos do Terceiro Reich em Berlim e dialoga com grandes figuras da Alemanha da II Guerra (inclusive mantendo o nome das patentes e das organizações alemãs na língua original, o que nos mostra o peso e a importância dada por aquela sociedade ao militarismo e concede um tom mais próximo do alemão ao livro) retratando toda a estrutura de poder da Alemanha na época, através de uma narrativa que cobre o período entre 1941 e 1945.
Aue não quer se justificar, já que logo no primeiro capítulo nos apresenta que “Não pensem que estou procurando convencê-los do que quer que seja; afinal de contas, cada um tem sua opinião. Se resolvi escrever, depois de todos esses anos, foi para expor as coisas para mim mesmo, não para vocês (...)”. Entretanto, uma das coisas que mais me chamou a atenção no livro foi a forma que Littell conseguiu mostrar como, mesmo uma sociedade extremamente organizada e culta, os pensamentos atrozes que levaram à loucura do holocausto encontraram espaço, justificativa, reverberaram, manipularam multidões com um discurso fanático e racista. É bem provável que a nomeação dos capítulos seja escolhida para fazer o contraste com as situações narradas. O livro mostra como nossa sociedade não está assim tão longe da distopia Orwelliana. Diferente de ficar dialogando entre o bem e o mal com um narrador onisciente, o autor mostra a face do horror por um personagem extremamente culto e convicto na filosofia política nazista. É impressionante sua frieza e o uso do determinismo para justificar as monstruosidades cometidas, como se o que ocorreu e as tarefas que tinha que executar, teriam que ser executadas, sem sentimentos nem paixões. Nas palavras do próprio Aue: “Não pedi para me tornar um assassino; se pudesse escolher, optaria pela literatura”.
O livro ainda conta diálogos fantásticos (que por si só já são motivo para lê-los), a homossexualidade de Aue, justificado no ódio à mãe e na relação incestuosa com a irmã (que também encontra razões filosóficas para justificar), a apurada descrição da paisagem europeia deformada pela guerra.  “As Benevolentes”, por alguns, é comparado ao grande Guerra e Paz (que não li), e, por outros, um amontoado de cenas fortes e de delírios com imprecisão histórica. Se tornou um fenômeno de venda e levou dois prêmios: Goncourt 2006 (principal prêmio literário francês) e o Grande Prêmio da Academia Francesa.
Existem muitas ligações do livro com a filosofia. Confesso minha ignorância em dizer que boa parte dos leitores citados ainda não foram lidos por mim, mas entraram na lista após ler “As Benevolentes”. Para quem já está mais avançado em suas leituras, sugiro a crítica de Nivaldo Cordeiro que deixo o link aí embaixo.
Confesso que não achei o livro fácil. Ele exigiu muito de mim como leitor. Creio até que, após amadurecer ainda mais (lendo algumas das referências utilizadas na construção do livro), devo reler para ter uma experiência mais completa. Demorei bastante para “entrar” na história, mas recomendo àqueles que tenham a devida persistência, paciência e estômago. Se a obra em “atos de ópera”, Jonathan Littell se mostra um grande maestro!

Para Saber Mais:


LIVROS EM ANDAMENTO
·        Um piano para cavalos altos (Sandro William Junqueira);
·        Poesia (Jorge Luis Borges)
·        Meu Sistema (Nimzovitsch)
·        The Signo f Four (Arthur C. Doyle) – Leitura Kindle


NO FORNO

  • Borges e os Orangotangos Eternos (Luís Fernando Veríssimo)
  • Correr (Dráuzio Varella)
  • O Iluminado (Stephen King)

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